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Jul 2011

Huse: a desavença dos neuros

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Quase tudo que a população sabe até agora sobre as deficiências do Hospital de Urgências de Sergipe - Huse - é aquilo que os olhos veem, o que é sentido na pele por quem dele precisa ou que faz na guerra de versões e desmentidos entre os que lá atuam. Mas por trás da cortina, em seus bastidores, há mesmo indícios de algo indigesto e desigual que prejudica diretamente os pacientes. O ponto alto seria a manipulação que estaria fazendo um grupo formado por cinco neurocirurgiões - sócios de uma empresa, cujo faturamento mensal em 2009 foi de R$ 155 mil -, usando pacientes. Tudo supostamente acobertado por 'favores' da politicagem, sem que exista bom senso e, sobretudo, respeito com os demais colegas alheios ao 'clube'.

O esquema giraria em torno da escala de plantões e do envio de doentes para serem operados no Hospital de Cirurgia - HC -, após atendidos no Huse. "Os pacientes eletivos - com aneurisma, tumor cerebral e fratura de coluna, por exemplo -, que não são de emergência e que podem esperar um pouco, são transferidos para ser operados no Cirurgia. E aí eles ganham duas vezes pelo mesmo paciente", detalha em denuncismo um médico servidor do Huse, que se define conhecedor da situação. O mesmo que fez denúncias ao Cinform na semana passada a respeito da crise geral e que prefere permanecer no anonimato.

Até aí tudo bem. O Hospital de Cirurgia atende mesmo esta demanda. O problema, segundo a fonte, é que essa remuneração é recebida por meio da empresa aberta pelos cinco neuros, a Pulse Serviços Médicos Ltda., cujo nome de fantasia é Cerne - Centro de Especialidades Neurocirúrgicas de Sergipe Ltda. A atuação, segundo este observador, é apadrinhada por Rogério Carvalho, ex-secretário de Estado da Saúde e hoje deputado federal pelo PT. Mas sobre isso, não há provas, e Rogério fala a plenos pulmões.

  SEM FUNDAMENTAÇÃO A atuação deste grupo, aliás, seria desconhecida pelo atual secretário Antônio Carlos Guimarães. "Não existe dupla cobrança. Ao contrário. O paciente muitas vezes entra no Huse pela necessidade diagnóstica e, para não atrapalhar os procedimentos de emergência, é transferido para outro hospital", disse Guimarães ao Cinform. Rogério Carvalho, por sua vez, manifesta indignação com o fato de ter seu nome envolvido no suposto esquema. "Eu tive apoio de neuros, anestesistas, clínicos, cirurgiões, de toda a sociedade. Ou eu não posso ter apoio de médico? O fato de alguém me apoiar quer dizer que eu tenha envolvimento em algo supostamente errado? Se é assim, 116.417 eleitores teriam envolvimento comercial comigo", contabiliza Rogério.

 

Ainda segundo o ex-secretário de Saúde, colocar seu nome nessa briga é querer tirar vantagens. "O que eu tenho a ver com isso? Eu não vou me envolver numa briga de mercado. Tudo tem limite. Eles têm é que se explicar com a sociedade. A briga é deles", afirma Rogério Carvalho, categoricamente. E segundo o neurocirugião Augusto César Santos Esmeraldo, chefe dos dos neurologistas do Huse, estes profissionais do Estado têm é que agradecer a Rogério Carvalho por ele ter sido sensível à importância da categoria. "A neuro de Sergipe pode ser dividida em 'antes de Rogério' e 'depois de Rogério'", avalia Esmeraldo, detalhando os feitos positivos do ex-secretário.

  PARA PRIVADOS Rilton Morais e Augusto César Santos Esmeraldo, dois dos neuros proprietários da empresa Cerne, dizem não entender o porquê das acusações, uma vez que, segundo eles, a pessoa que acreditam ser o denunciante também fez parte do empreendimento. "Ela foi criada apenas para receber do setor privado. Hoje, 99% dos médicos no Brasil têm uma pessoa jurídica - empresa. Isso acontece simplesmente pela cobrança de impostos", esclarecem. Para a pessoa física, o tributo é de 27,5%, enquanto que, para jurídica, é de 16%. Até aí, justifica-se.

 

Os dois neuros, Rilton e Esmeraldo, inclusive, dizem ter certeza de quem faz as denúncias e acrescentam que o tiraram da empresa porque ele tinha condutas profissionais que estavam em desacordo com a ética. "Ele cobrava de pacientes do Sistema Único de Saúde - SUS -, indicava cirurgias que não precisava operar e tinha constantemente maus resultados. Imagine numa cirurgia de hérnia de disco, em que se corta um pedacinho, a pessoa ter que tomar três bolsas de sangue? Nem os anestesiologistas querem operar com ele", pontua Esmeraldo.

  PARA POUCOS Mas esse paciente eletivo, não poderia ser operado no próprio Huse, que tem um custo de manutenção mensal de R$ 12 milhões e um quadro clínico com 160 médicos? A resposta de Antônio Carlos Guimarães, secretário de Estado da Saúde, é de que sim. Mas aí o médico teria que disputar a cirurgia dele com todas as da urgência. "Vai marcar a cirurgia para 7h da manhã e só vai conseguir operar à tarde, quando diminuir o movimento", explica o colaborador do hospital e fonte do Cinform. Mais uma vez, justifica-se enviar ao Hospital Cirurgia. Afinal, é importante que se tenha um hospital de referência para fazer os procedimentos eletivos.

 

Porém, o cuidado deve existir para que não haja privilégio de alguns médicos em detrimento de outros. E segundo o funcionário-denunciante do Huse, este é o problema. Ele afirma que um médico que não faça parte da equipe dos supostos privilegiados, além de não ter como receber por um procedimento realizado no HC, não consegue sequer fazê-lo. "Já teve médico que precisou operar um paciente com aneurisma pelo SUS e o Cirurgia afirmou que tudo bem. Mas dizem que o microscópio é deles, e o médico não vai poder usar. E que levem a mesa cirúrgica, por exemplo. Ou seja: 'venha, mas venha de mala e cuia'. Eles inviabilizam", detalha o denunciante.

Gilberto dos Santos, diretor geral do Hospital de Cirurgia, afirma que a instituição de saúde não tem contrato com nenhuma empresa. "Os neuros que trabalham aqui e que pertencem ao Huse são funcionários com carteira assinada", afirma. Já com relação à dificuldade imposta pelo HC para alguns médicos, Gilberto dos Santos admite que existe. Mas pondera: " Isso acontece quando sabemos que o médico não sabe operar", afirma. Porém, essa justificativa, evidentemente, não é dada ao médico. "Se eu disser, ele me representa no CRM. Tenho que ter muita sabedoria. Não quero ver meu paciente morrer", justifica-se. Ainda segundo Gilberto, esse procedimento é adotado em todos os hospitais do país.

  ESPECIALISTAS, SIM O colaborador do Huse que faz inúmeras denúncias diz também que dois desses cinco médicos aos quais ele acusa não têm seus nomes incluídos na lista de especialistas da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia - SBN. Trocando em miúdos, eles não teriam o título de especialista. O que não procede, segundo os acusados. De acordo com Hyder Aragão, médico e conselheiro do Conselho Regional de Medicina de Sergipe - CRM -, qualquer médico formado está habilitado a atuar em determinada área, independente do título de especialista. "Mas se ele errar, a perda do paciente poderia ser considerada como imperícia, negligência. A responsabilidade seria maior", explica. Então, neste aspecto, não há nenhuma ilegalidade.

 

Rilton Morais, um dos acusados pela fonte, não só é especialista na área - ele é neurocirurgião e dedica-se à pediatria -, como já foi convidado pela SBN para dar aulas. "Eu sou o único neurocirurgião no Estado que tem essa formação, e fui o único que deu aula sobre neurocirurgia pediátrica no Congresso Brasileiro de Neurocirurgia", salienta Rilton.

Segundo ele, a titulação quem dá é o Ministério da Educação - MEC -, e participar da SBN é opção de cada profissional. "Há gente, inclusive, que participa da SBN e não tem sequer residência", completa o médico Augusto César Esmeraldo. Ainda de acordo com Rilton Morais, para estar na SBN o médico tem que desembolsar R$ 300 por semestre. "Por isso, eu não tenho interesse. O que estou pleiteando é fazer parte da Sociedade Americana de Neurocirurgia", acrescenta Rilton Morais.

  ESCALA Outro ponto problemático citado pelo colaborador que repassa as informações é com relação às escalas. Para o denunciante, esse grupo de neuros que ele considera privilegiado monopoliza a enfermaria e deixa os demais colegas se sacrificando nos plantões. Às vezes, sozinhos. O que colocaria em xeque o conceito da meritocracia - acesso aos espaços por méritos. "Quem não faz parte do grupo não pode ter preferência na escolha de plantões ou funções, independente da classificação no concurso", avalia o funcionário (veja infográfico da lista de neurocirurgiões de Sergipe por ordem de admissão no serviço público).

 

O que é amplamente negado por Augusto César Esmeraldo, neurocirurgião Referência Técnica do Huse. "Em qualquer lugar do mundo, antiguidade é posto", alega. Esmeraldo explica que o direito de escolha obedece ao tempo de atuação do médico no serviço público. "A questão é que o mais recente é o que sobra. Fica sem muita opção. Aí quer brigar para tirar do lugar pessoas mais antigas que ele. Em todas as especialidades, a regra é essa", esclarece.

Ainda com relação à escala de trabalho, Francisco Claro, diretor do Huse, diz que o número de neurocirurgiões é suficiente para suprir a escala de trabalho. "Mas há um desentendimento entre eles", admite. Essa afirmação do diretor é notória. O problema é que isso torna o atendimento do maior hospital de urgência e emergência de Sergipe, cuja demanda é gritante, ainda mais precário.

  DEFICIÊNCIA De acordo com Augusto César Esmeraldo, há um médico - que ele acredita veemente ser o denunciante - que diz tudo isso por interesse próprio, somente por questões pessoais. "Ele era nosso sócio. Mas nós o expulsamos da empresa. O desejo dele é ver o caos no Huse, na neurocirurgia de Sergipe", afirma. Para comprovar o que diz, Esmeraldo mostra e-mails encaminhados por quem ele acredita ser o questionador.

 

"Para se ter uma ideia, na semana passada, ele passou o dia todo no centro cirúrgico operando um paciente. Enquanto eu operei dois. Isso era para que, se chegasse um paciente grave, com um tiro, por exemplo, morresse por falta de atendimento. Eu tenho pena dos pacientes que ele vai operar", alega Rilton Marcus Morais. "Ele forma um exército de um homem só. Está desequilibrado e - o que é pior - está barganhando com a vida das pessoas. Até vela de sete dias já acendeu no hospital", lamenta Augusto César Esmeraldo.

E uma coisa é preciso ressaltar: enquanto os neuros não se entendem, o paciente, e somente ele, sofre. O pior é que sofre risco de morte. E aí é preciso haver intervenção superior, de quem gere aquela casa de saúde. O povo de Sergipe e dos estados limítrofes que vai parar naquele hospital não pode ficar à mercê de desentendimentos por parte de quem está ali para salvar vidas. De tudo, a coisa mais certa é que, enquanto não se resolverem essas pendências internas, o Huse continuará um hospital de referência apenas no nome.

Hospital ou ringue?

Outro caso de desentendimento no Huse chamou a atenção da população sergipana na semana passada. O médico João Bosco Menezes Monteiro alega ter sido agredido verbalmente por uma colega de trabalho, a também médica Paula Mirachi, coordenadora da Ala Vermelha do Huse.

O caso foi parar na polícia. Segundo Boletim de Ocorrência feito por João Bosco, a discussão teve início por causa da não permissão da médica Paula de internar uma paciente na Ala Vermelha. Ainda de acordo com o médico, que atua na Ala Azul, ele estava no seu setor de trabalho quando foi chamado em caráter emergencial para atender a uma paciente que se encontrava na porta da Ala Vermelha.

E é aí onde começa o desentendimento. Segundo João, Paula Mirachi começou a agredi-lo verbalmente. E chamou toda a segurança para impedir o acesso da paciente em estado grave na Ala Vermelha. E aí, à população, resta rezar. Porque ir àquele hospital e morrer à mercê de atendimento enquanto os médicos brigam, realmente, não dá. Por Gilmara Moura - Jornal Cinform

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