O tempo urge. Na luta contra o câncer de mama, o diagnóstico precoce pode representar a cura, uma sobrevida maior, uma melhor qualidade de vida. Mesmo assim, nem todas as mulheres diagnosticadas com a doença vencem essa batalha. Dados do Ministério da Saúde - MS - revelam que 11.803 mulheres morreram no Brasil vítimas deste tipo de câncer em 2010. Rastrear a doença na sua fase inicial deve ser uma prioridade e isso requer a realização de um exame de mamografia. Um levantamento feito pela Secretaria de Estado da Saúde - SES - mostra que no ano passado 9.130 mamografias foram realizadas em Sergipe. Na capital, são feitas 1.280 mamografias por mês, das quais 1.180 no Centro de Assistência Integral à Saúde da Mulher - Caism - e 712 em clínicas particulares conveniadas, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde - SMS. Mas isso não significa dizer que o câncer de mama está sendo rastreado tão precocemente como deveria. O médico Virgílio Fernandes, presidente da Sociedade Sergipana de Cancerologia e criador do Ambulatório de Mastologia do Hospital Universitário - HU -, garante que de cada dez mamografias feitas no Estado, seis apresentam erros. Isto significa dizer que, dos 9.130 exames realizados no ano passado, 5.478 não serviram para nada. DEMORA Erro no diagnóstico de médicos que não possuem habilitação para emitir os laudos, aparelhos de mamografia descalibrados, mama na posição incorreta e chapas com sujeira estão entre as falhas, apontadas pelo médico, que comprometem a qualidade das mamografias. "Há exames em que é possível ver riscos e até impressões digitais de quem está manuseando o equipamento", afirma. Um absurdo. Os erros encontrados nos laudos preocupam. Segundo Virgílio Fernandes, há médicos residentes que ainda não concluíram sua formação, emitindo diagnóstico. Estes laudos só devem ser assinados por profissionais da área que se submetem a uma prova de habilitação e ao crivo de uma banca examinadora. "Isso não vem ocorrendo. Em tenho paciente que chegou com cinco mamografias, cada uma com um diagnóstico diferente", denuncia. Além destes fatores, os pacientes do SUS enfrentam ainda outro problema: o tempo de espera entre a consulta, a liberação do resultado do exame e o início do tratamento. Ao detectar um caroço na axila há cinco anos, Jovelina Barros, 68, procurou a unidade básica de saúde no município de Areia Branca. O médico solicitou a mamografia, porém a espera foi tão longa que ela desistiu. Desde então, a aposentada destina parte do salário mínimo que recebe para pagar o exame em uma clínica popular periodicamente. "Tem que ser assim, senão a gente morre. Minha sorte é que o meu médico fez uma carta, me mandou para o HU e fiz a cirurgia", diz. Neilde Resende, de Itabaiana, também faz acompanhamento no hospital depois de ter sido diagnosticada com um nódulo na mama. Quando vai ao médico, ela leva o exame feito em uma clínica particular. "Pelo SUS, a gente fica a vida toda caminhando e não resolve nada", enfatiza. QUALIDADE Nair Lourenço da Costa, 44, também tentou fazer mamografia pelo SUS. A primeira no Centro de Referência da Mulher, hoje Caism. Ficou dois anos esperando e desistiu. Tentou fazer em Lagarto e teve que aguardar por seis meses. Hoje ela paga pelo exame. "Não posso ficar esperando", afirma. Esta demora compromete o diagnóstico precoce, retarda o início do tratamento e, consequentemente, interfere nas estatísticas de mortes por câncer de mama em Sergipe e no Brasil. "Uma mamografia de alta qualidade reduz em 30% a mortalidade", ressalta Virgílio Fernandes. Se 60% dos exames feitos no Estado não têm qualidade, a paciente se expõe a mais radiação do que deveria ao ter que repeti-lo. Nair Lourenço já fez dez, a maioria em clínicas populares. "As que eu fiz pelo SUS não prestam. Não dá pra ver quase nada", diz. O presidente da Sociedade Sergipana de Cancerologia diz que há casos ainda mais gritantes. "Eu recebi uma paciente que fez 16 chapas em um único exame. Bastaria quatro. Ela me disse que havia estagiários que aproveitaram para aprender. Quanta radiação esta pessoa recebeu desnecessariamente?", questiona. Virgílio lembra que se a mulher viver até os 80 anos, ela deve ter feito apenas 23 mamografias. "A partir daí, já há risco", alerta. O médico diz ainda que nem todos os técnicos em radiologia protegem a tireóide e os ovários das mulheres durante exame. SINDICÂNCIA Essa radiação é cumulativa e, se for mal utilizada, pode provocar hipotireoidismo, leucemia, esterilidade e câncer. Ou seja, ao invés de ter o câncer diagnosticado precocemente, a paciente pode desenvolver outras doenças. Virgílio vai mais longe ao denunciar que aparelhos de mamografia obsoletos estão sendo reaproveitados por clínicas no interior e ainda que não existe nenhum mamógrafo digital em Sergipe. "Todos são convencionais. Eles tiram a chapa e digitalizam as imagens em outra máquina à parte. Iludem as pacientes", ressalta. O médico José Rivaldo dos Santos, corregedor do Conselho Regional de Medicina - Cremese -, ressalta que o órgão não havia recebido nenhuma denúncia em relação à inexistência de mamógrafos digitais e à emissão de laudos por médicos desabilitados, até o contato mantido pelo Cinform. "Vamos abrir uma sindicância para apurar a denúncia relacionada aos médicos e iremos fazer uma fiscalização para verificar a veracidade das informações relativas aos aparelhos", assegura. Ana Angélica Ribeiro, coordenadora da Vigilância Sanitária de Aracaju - Covisa -, esclarece que o órgão faz a inspeção anual dos 21 aparelhos de mamografia existentes na capital. Destes, dez estão com suas licenças sanitárias vigentes. Este ano, a coordenadoria já inspecionou 16 mamógrafos e, segundo ela, não encontrou nenhuma irregularidade. Um físico acompanha todo o trabalho. A Covisa cobra testes de qualidade dos mamógrafos das clínicas. Esses são feitos por empresas de Sergipe e de outros Estados. SAÚDE "Verificamos ainda se há um responsável técnico pelo aparelho, se os funcionários passaram por capacitação e se estão usando o dosímetro para medir a radiação a que estão expostos", esclarece. Segundo Ana Angélica, esse controle rígido fez com que Aracaju fosse escolhida para fazer parte de um programa que vai analisar a qualidade das mamografias feitas na capital. Criado pelo Instituto Nacional do Cacir. Jornal Cinform